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Obrigações contratuais e a fase preparatória

Sem qualquer margem de dúvida, a fase preparatória é a mais importante do processo de contratação na administração pública. É nela que, a partir de uma demanda registrada, a administração deve definir precisamente o que quer, como quer, qual o objetivo, as características, os prazos, o valor que admite pagar etc. Ou seja, como já bem dizia a Lei nº 10.520, de 2002, deve definir de forma precisa, suficiente e clara o objeto que está pretendendo contratar através, como regra constitucional, de uma licitação preferencialmente realizada na forma eletrônica. O que vai ocorrer no certame licitatória, conduzido através de uma plataforma digital como a LICITAR, e o que vai acontecer na execução contratual são consequências das escolhas realizadas na fase preparatória. É a representação fática da vida, que é sempre feita de escolhas. Quando algo corre da forma correta, você tem a certeza de que escolheu bem; inversamente, quando dá errado, sua escolha não foi a mais adequada.
Na contratação de serviços, se levarmos em consideração as obrigações que serão atribuídas ao contratado, a administração tem à sua escolha duas opções contratuais: o contrato com obrigações de meio e o contrato com obrigações de resultado.
Antes de adentramos diretamente no tema, é importante lembrar que a administração terceiriza serviços com o objetivo de poder se dedicar diretamente à sua atividade finalística, que é o atendimento ao interesse público. Se tiver que se estruturar para realizar diretamente atividades-meio, a administração não só estará se desviando do seu foco, como dificilmente obterá bons resultados, pois não está preparado para tal mister. Não faz parte da preparação de servidores da administração direta e nem tampouco de funcionários da administração indireta o planejamento e a execução de tarefas meramente auxiliares, como os serviços de limpeza predial, por exemplo. Não fazem parte da preparação, mas, são indispensáveis, na medida em que a salubridade do ambiente de trabalho é fator fundamental para a obtenção de bons resultados.
Mesmo sem estar preparada para tal, durante muito tempo a administração considerou-se no direito de estabelecer as regras fundamentais para a execução desses serviços, realizando suas licitações com base nessas regras. Assim, era comum a administração, ainda que com conhecimentos absolutamente incipientes, licitar serviços de limpeza predial definindo, no edital, o quantitativo de pessoal que deveria prestar o serviço e todas as regras de procedimento a serem observadas pela futura contratada.
Se analisarmos com um pouco mais de cuidado o tema, nos veremos diante de uma dúvida: sem conhecimentos suficientes sobre o assunto, como poderia a administração definir o quantitativo de pessoas que iriam executar o serviço? Era notório, na época, que o cálculo era feito em função de uma produtividade média dos trabalhadores, diante de uma área onde o trabalho seria executado. Se um trabalhador consegue realizar, em média, a limpeza de “x” m², para o serviço total em uma área de “y” m² haveria a necessidade de uma quantidade “z” de homens. Um cálculo matemático simples e que era utilizado normalmente.
Ora, ao realizar essa simples operação matemática, a administração deixava de lado a possibilidade de uma determinada empresa do mercado, interessada em participar da licitação e ganhar aquele contrato, utilizar-se de mão de obra mais preparada, dispondo de equipamentos mais modernos, com melhor remuneração, que poderia, assim, ter uma produtividade bem superior àquela considerada a média do mercado. A empresa que investisse na qualificação de sua mão de obra e no ferramental disponibilizado aos seus empregados dificilmente conseguiria ganhar uma licitação, na medida em que, de um lado, esse investimento implicava em custos mais elevados, que, de outro lado, eram desprezados pela impossibilidade de redução do quantitativo da mão de obra, pois o edital estabelecia, de forma inflexível, essa quantidade, que não poderia ser alterada na proposta.
O resultado é de todos conhecidos: a administração contratava licitantes com baixa especialização, com parco investimento na qualificação de seu pessoal e no maquinário, que acabavam por produzir resultados de baixa qualidade. A culpa era, sempre, do “mordomo”, que, no caso concreto, era a Lei nº 8.666, de 1993. Era comum ouvirmos, em nossas andanças por todo o país, que a lei vigente não permitia a realização de contratações de qualidade.
De repente, sem precisar mudar a lei, a administração “descobriu” que havia um caminho, até então muito pouco explorado, que lhe permitia, sim, em uma licitação, separar o joio do trigo e contratar o trigo. Quem abriu esse caminho, fundamentalmente, foi a área de TIC, sempre ávida em conseguir bons resultados em um mercado extremamente competitivo e que não permite desperdícios. Surgiu ali a ideia do Acordo de Nível de Serviço – ANS, ou Service Level Agreement – SLA, através da qual seriam definidos previamente os níveis de serviço esperados, métricas de desempenho e responsabilidade do contratado pelo não cumprimento. Uma ideia simples, mas, fundamentalmente efetiva para a obtenção de bons resultados de contratação.
Basicamente, a ideia simples foi a de estabelecer os resultados pretendidos, permitindo a cada licitante em sua proposta definir os meios para que eles fossem alcançados. Em lugar de dizermos no edital que queremos “x” pessoas para realização de serviços de limpeza predial, dizemos apenas quais são esses serviços, deixando a critério do licitante estabelecer a quantidade de pessoas. Muito simples, tão simples que surpreende o fato de muitos órgãos/entidades ainda não procederem assim.
Fica óbvio que, em sendo um licitante que investiu na qualificação do seu pessoal e na qualidade dos equipamentos que pretende utilizar, pode apresentar uma proposta de valor mais reduzido, em função da diminuição da quantidade de pessoal, tornando-a competitiva e com possibilidade de vencer a disputa com outros licitantes que, por terem investido menos, precisarão oferecer proposta com maior quantidade de trabalhadores. Qual o prejuízo que isso trará para a administração? Fundamentalmente, NENHUM. Ao contrário, tendo em vista que, estabelecido o resultado a ser alcançado e deixando a cada licitante (um deles o futuro contratado) a liberdade de definir a forma de execução (quantidade de pessoas, basicamente), a administração irá remunerar o contratado em função do alcance ou não desse resultado. O licitante disse que quer receber “x” reais. A administração aceitou a proposta e o contratou. Se, na execução dos serviços, o resultado foi alcançado, a administração vai pagar “x” reais; se, ao revés, o resultado não for alcançado, a administração promoverá uma glosa no valor a ser pago, remunerando o contratado por uma quantia proporcional ao resultado. Bom para a administração: pagará valor compatível com o nível de serviço contratado; bom para o contratado, pois só terá uma redução no valor da remuneração se trabalhar mal.
O procedimento antigo gerava um contrato com obrigações de meio: a administração estabelecia no edital, de forma completa, o meio, a forma de realização do serviço, e fiscalizava estritamente o cumprimento dessa forma pelo contratado, pouco importando o resultado a que se chegava. Até porque, se a administração tirava do contratado a liberdade de definir a forma de execução do serviço, o meio, não podia dele posteriormente cobrar o resultado, que é consequência do meio.
O novo procedimento gera um contrato com obrigações de resultado: a administração estabelece firmemente o resultado que precisa alcançar. Mas, dá liberdade ao contratado de fixar o meio a ser adotado para chegar a esse resultado. E mais: estabelece a remuneração em função do resultado alcançado, ficando o contratado com a certeza de que, se não trabalhar corretamente, sentirá dor na parte mais sensível do ser humano: o bolso.
Hoje, temos na Lei nº 14.133, de 2021, a seguinte disposição:
Art. 144. Na contratação de obras, fornecimentos e serviços, inclusive de engenharia, poderá ser estabelecida remuneração variável vinculada ao desempenho do contratado, com base em metas, padrões de qualidade, critérios de sustentabilidade ambiental e prazos de entrega definidos no edital de licitação e no contrato.
A remuneração variável parece ainda não ter sido bem entendida pela administração, que pensa na elevação do valor contratado e acha que isso é impossível. Na realidade, a Lei não fala na possibilidade de ser estabelecida uma remuneração A MAIOR, mas, sim, em remuneração VARIÁVEL. Se o contratado alcança o resultado definido, receberá o valor total contratado; em caso contrário, o valor será glosado. A forma de medição hoje é denominada de IMR – Instrumento de Medição do Resultado.

Conclusão

Não vislumbramos outro caminho para a boa contratação de serviços na administração pública que não seja a contratação por resultado, com obrigações de pagamento condicionadas ao desempenho do contratado. É a única forma de indicar ao mercado o caminho da necessidade de melhoria. Na medida em que trabalhar bem, receberá uma remuneração melhor; quando trabalhar mal, receberá uma remuneração inferior. Precisamos aprofundar esse procedimento já adotado como regra na administração federal, para que paremos de colocar, equivocadamente, a culpa na legislação.

Artigo escrito por:

Paulo Sérgio de Monteiro Reis: Engenheiro Civil e Advogado, Membro Fundador do Instituto Nacional da Contratação Pública, palestrante, autor e coautor de diversas obras no tema licitações e contratos da administração Pública.

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