A IN Seges/MGI nº 2/2023
Através da Instrução Normativa nº 2, de 7 de fevereiro de 2023, a Secretaria de Gestão e Inovação do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos do governo federal regulamentou a realização das licitações em que se utiliza o critério de julgamento “técnica e preço”. Trata-se de um dos critérios de julgamento previstos no art. 33 da Lei nº 14.133, de 2021. Embora claramente a Lei estabeleça como prioridade a utilização dos critérios de julgamento de “menor preço” ou de “maior desconto”, há situações em que a “técnica e preço” acaba por se tornar o caminho adequado à seleção da proposta apta a gerar o melhor resultado de contrato, levando em consideração as peculiaridades do objeto. Quais seriam essas situações? A própria NLLC se encarregou de trazer à colação as situações específicas:
Art. 36. O julgamento por técnica e preço considerará a maior pontuação obtida a partir da ponderação, segundo fatores objetivos previstos no edital, das notas atribuídas aos aspectos de técnica e de preço da proposta.
§ 1º O critério de julgamento de que trata o caput deste artigo será escolhido quando estudo técnico preliminar demonstrar que a avaliação e a ponderação da qualidade técnica das propostas que superarem os requisitos mínimos estabelecidos no edital forem relevantes aos fins pretendidos pela Administração nas licitações para contratação de:
I – serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual, caso em que o critério de julgamento de técnica e preço deverá ser preferencialmente empregado;
II – serviços majoritariamente dependentes de tecnologia sofisticada e de domínio restrito, conforme atestado por autoridades técnicas de reconhecida qualificação;
III – bens e serviços especiais de tecnologia da informação e de comunicação;
IV – obras e serviços especiais de engenharia;
V – objetos que admitam soluções específicas e alternativas e variações de execução, com repercussões significativas e concretamente mensuráveis sobre sua qualidade, produtividade, rendimento e durabilidade, quando essas soluções e variações puderem ser adotadas à livre escolha dos licitantes, conforme critérios objetivamente definidos no edital de licitação.
Observa-se que a definição sobre o critério de julgamento deverá ser adotada quando da elaboração do Estudo Técnico Preliminar. Nesse momento, analisando suas próprias necessidades, definidas no Documento de Formalização de Demanda, e as regras vigentes no respectivo segmento de mercado. Nesse momento, deverá a administração considerar, justificadamente, que o objeto do certame possui peculiaridades que o afastam da definição de bem ou de serviço comum, pois não será possível executá-lo adotando simplesmente padrões usuais de mercado, ou seja, aquilo que o mercado considerou como um padrão. Nesse momento, então, a administração deverá considerar que a análise da qualidade técnica das propostas é relevante para a definição da proposta que melhor lhe atenda, partindo, assim, para a definição do critério de julgamento de propostas por “técnica e preço”.
É evidente que, como em todo e qualquer processo de contratação, a administração estará obrigada a definir, no edital do certame, os requisitos mínimos indispensáveis para atender o interesse público. Porém, nesses processos específicos, há requisitos que, em superando o mínimo estabelecido, podem apresentar significativas vantagens para o contratante, desde que o aumento de preços que a isso corresponda apresente-se como vantajoso. É necessário, portanto, fazer uma ponderação entre os aspectos técnicos e os aspectos de preço de cada proposta.
Verifica-se, assim, que o critério de “técnica e preço” é diferente do “menor preço” (ou do “maior desconto”), critério em que, atendidos os requisitos mínimos, a proposta que apresentar o valor mais baixo será selecionada para contratação. Nesta situação específica, considera a administração que os requisitos mínimos são indispensáveis, não havendo, no entanto, vantagem em quer acréscimo de qualidade. Nada impede que, nas licitações de “menor preço”, o licitante ofereça bem ou serviço com qualidade superior aos requisitos mínimos exigidos no edital. Deve estar consciente, entretanto, que essa qualidade superior não será considerada no julgamento do certame, isto é, se implicar em preço mais elevado ele tenderá a perder a licitação.
Já no caso da “técnica e preço”, a situação é diferente. Embora a administração estabeleça a qualidade mínima a ser atendida, levará em consideração no julgamento das propostas, também, os critérios de qualidade técnica. Os dois fatores, a técnica e o preço, devem ser ponderados, para que se chegue à definição de qual proposta deve ser escolhida como a melhor. Não basta só o preço; não basta só a técnica. Os dois fatores são ponderados.
Segundo a Instrução Normativa citada, o critério de julgamento “técnica e preço” deverá ser aplicado para contratação dos seguintes objetos:
Art. 3º O critério de julgamento de que trata o art. 1º será escolhido quando o estudo técnico preliminar demonstrar que a avaliação e a ponderação da qualidade técnica das propostas que superarem os requisitos mínimos estabelecidos no edital forem relevantes aos fins pretendidos pela Administração nas licitações para contratação de:
I – serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual, preferencialmente, realizados em trabalhos relativos a:
a) estudos técnicos, planejamentos, projetos básicos e projetos executivos;
b) pareceres, perícias e avaliações em geral;
c) assessorias e consultorias técnicas e auditorias financeiras e tributárias;
d) fiscalização, supervisão e gerenciamento de obras e serviços;
e) patrocínio ou defesa de causas judiciais e administrativas;
f) treinamento e aperfeiçoamento de pessoal;
g) restauração de obras de arte e de bens de valor histórico;
h) controles de qualidade e tecnológico, análises, testes e ensaios de campo e laboratoriais, instrumentação e monitoramento de parâmetros específicos de obras e do meio ambiente e demais serviços de engenharia que se enquadrem na definição deste inciso;
II – serviços majoritariamente dependentes de tecnologia sofisticada e de domínio restrito, conforme atestado por autoridades técnicas de reconhecida qualificação;
III – bens e serviços especiais de tecnologia da informação e de comunicação;
IV – obras e serviços especiais de engenharia; e
V – objetos que admitam soluções específicas e alternativas e variações de execução, com repercussões significativas e concretamente mensuráveis sobre sua qualidade, produtividade, rendimento e durabilidade, quando essas soluções e variações puderem ser adotadas à livre escolha dos licitantes, conforme critérios objetivamente definidos no edital de licitação.
Dispõe a IN que, no caso do inc. I, quando se tratar de serviço contratado junto a profissionais ou empresas de notória especialização, a licitação será inexigível, nos termos do art. 74, inc. III, da Lei nº 14.133/2021, que assim dispõe:
Art. 74. É inexigível a licitação quando inviável a competição, em especial nos casos de:
(…)
III – contratação dos seguintes serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação:
a) estudos técnicos, planejamentos, projetos básicos ou projetos executivos;
b) pareceres, perícias e avaliações em geral;
c) assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias;
d) fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços;
e) patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas;
f) treinamento e aperfeiçoamento de pessoal;
g) restauração de obras de arte e de bens de valor histórico;
h) controles de qualidade e tecnológico, análises, testes e ensaios de campo e laboratoriais, instrumentação e monitoramento de parâmetros específicos de obras e do meio ambiente e demais serviços de engenharia que se enquadrem no disposto neste inciso;
A nova Lei, em seu art. 37, § 2º, assim determina:
Art. 37. (…)
(…)
§ 2º Ressalvados os casos de inexigibilidade de licitação, na licitação para contratação dos serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual previstos nas alíneas “a”, “d” e “h” do inciso XVIII do caput do art. 6º desta Lei cujo valor estimado da contratação seja superior a R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), o julgamento será por:
(…)
II – técnica e preço, na proporção de 70% (setenta por cento) de valoração da proposta técnica.
Esses serviços são os seguintes:
– estudos técnicos, planejamentos, projetos básicos e projetos executivos;
– fiscalização, supervisão e gerenciamento de obras e serviços;
– controles de qualidade e tecnológico, análises, testes e ensaios de campo e laboratoriais, instrumentação e monitoramento de parâmetros específicos de obras e do meio ambiente e demais serviços de engenharia que se enquadrem na definição deste inciso.
A respeito desse assunto, destacamos recente entendimento do Tribunal de Contas da União, no Acórdão nº 2381/2024-P:
“9.4. dar ciência à Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), com base no art. 9º, inciso I, da Resolução-TCU 259/2014, de que a não utilização do critério de julgamento do tipo “técnica e preço” no edital de Concorrência 1/2023 atentou contra o art. 37, §2º, da Lei 14.133/2021, por ultrapassar o limite de R$ 300,000,00 relativo à estimativa do valor da contratação para serviços técnicos especializados de natureza eminentemente intelectual estabelecido no nominado dispositivo (atualizado para R$ 343.249,93, mediante o Decreto 11.317/2022 e, posteriormente, para R$ 359.436,08, pelo Decreto 11.781/2023);”
Mais recentemente, o Tribunal manteve o entendimento, como se vê no Acórdão nº 2619/2024-P:
“9.3. dar ciência ao Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região/PE de que, no âmbito do Pregão Eletrônico 7/2024, a escolha da modalidade de licitação e do critério de julgamento pelo “menor preço” foi inadequada, pois contraria o art. 6º, XVIII, “a”, c/c os arts. 29, parágrafo único, e 37, § 2º, da Lei 14.133/2021 e a jurisprudência desta Corte de Contas, consubstanciada no Acórdão 2381/2024-TCU-Plenário, tendo em vista que o valor estimado da contratação ultrapassou o limite de R$ 359.436,08 (valor atualizado mediante o Decreto 11.871/2023);”
Quando adotado o critério de “técnica e preço”, continua preferencial a utilização da licitação eletrônica, mas, o modo de disputa será obrigatoriamente fechado, devendo ser usada a modalidade Concorrência, considerando que o Pregão só pode ser utilizado com critério de julgamento “menor preço” ou “maior desconto”.
A grande ciência para o sucesso ou o insucesso das licitações com critério de julgamento “técnica e preço” está no estabelecimento adequado, objetivo, dos critérios de julgamento das propostas técnicas. Devem ser selecionados critérios que efetivamente estejam relacionados ao objeto do certame, evitando aqueles mais simplórios e que, na realidade, em nada conseguem medir a “técnica” da proposta. Critérios como “tempo de formação do profissional”, por exemplo, em nada contribuem no processo, pois o profissional pode ter muitos anos de formação, porém uma expertise reduzida. Recomendamos a atenta leitura da IN SEGES/MGI nº 2, de 2023.
Conclusão
As licitações com critério de julgamento “técnica e preço” podem ser muito importantes quando o objeto do certame for realmente afetado pelos aspectos técnicos, tanto do licitante como dos seus profissionais. A ciência na utilização desse critério está, portanto, fundamentalmente, na fase preparatória, momento em que a administração pode e deve selecionar fatores que tenham real importância para a obtenção de resultados positivos.
Artigo escrito por:
Paulo Sérgio de Monteiro Reis: Engenheiro Civil e Advogado, Membro Fundador do Instituto Nacional da Contratação Pública, palestrante, autor e coautor de diversas obras no tema licitações e contratos da administração Pública.
Tatiana Martins da Costa Camarão: Graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (1993) e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (1997), Vice-presidente do Instituto Mineiro de Direito Administrativo – IMDA, professora da pós-graduação da PUC/MG. Palestrante e instrutora de cursos de capacitação.