A dispensa “sem disputa” prevista indiretamente na Lei nº 14.133/2021 é uma ferramenta poderosa, mas que deve ser utilizada com cautela. Quando bem aplicada, pode tornar os processos administrativos mais ágeis e econômicos, atendendo a necessidades urgentes e específicas da administração pública. Contudo, a sua eficácia depende da implementação de boas práticas de governança pública, controle rigoroso, transparência e constante vigilância, a fim de garantir que os objetivos de eficiência e interesse público sejam sempre respeitados.
Introdução
A Lei nº 14.133/2021 é a nova norma das licitações e contratos administrativos brasileiros trazendo inovação sobre diversos aspectos referentes ao novo modelo dos processos de licitação. Uma das novidades é a dispensa “sem disputa (1)”, forma de compra direta prevista na NLLC que merece ser tratada com atenção, uma vez que afeta a eficácia dos processos administrativos ao reduzir a burocracia das contratações públicas. Neste artigo será abordado a dispensa “sem disputa” no contexto da NLLC, destacando definição, benefícios, requisitos e desafios.
O que é a dispensa de licitação?
Antes de entrarmos no tema principal que é a dispensa “sem disputa”, precisamos entender o conceito da licitação de forma geral. A dispensa de licitação acontece quando ocorrem situações específicas previstas previamente em lei, onde a administração pública pode contratar diretamente um fornecedor sem a necessidade de realizar um processo licitatório tradicional. Com a NLLC, em seu artigo 75, ficam regulamentadas hipóteses onde a licitação pode ser dispensada. Para exemplificar o procedimento de contratação direta, Rafael Carvalho Rezende Oliveira faz menção sobre ser um procedimento competitivo simplificado, vejamos:
“Verifica-se, assim, que a contratação direta por dispensa de licitação envolve uma espécie de procedimento competitivo simplificado e célere, no qual a Administração Pública realizará a coleta de propostas no mercado e selecionará a mais vantajosa.” (Oliveira, 2023, p. 472)
O conceito da dispensa “sem disputa” surge com a necessidade de ser flexibilizar a realização das modalidades tracionais de licitação, lembrando que, na dispensa pode haver o processo licitatório, mas, nos casos expressamente previstos em lei, o legislador permitiu que o administrador a dispensa.
Reforçamos que, o rol das hipóteses de dispensa é TAXATIVO!
Dispensa “sem disputa” na Lei nº 14.133/2021
A dispensa “sem disputa” é uma forma de compra direta que ficou mais evidente após a vigência da Lei 14.133/2021, refere-se a possibilidade de contratação direta pelo ente público quando a natureza ou o objeto da contratação justifica a forma de contratação simplificada, pois ela não exige a realização de procedimento licitatório ou mesmo a fase de lances com os potenciais fornecedores (2), isso ocorre com a intenção de agilizar os processos em casos específicos. Carvalho Filho menciona que:
“Caracteriza-se pelo fato de que, em certas circunstâncias, poderia o procedimento ser realizado, mas, pela particularidade da situação, o legislador decidiu não torná-lo obrigatório. Por isso, a lei registra que “É dispensável a licitação”, numa indicação de que a licitação pode ser dispensada, ou não. Nesse aspecto, prevalece a opção do administrador no exercício de sua discricionariedade.” (Carvalho Filho, 2022, p. 266)
Regulamentada pelo artigo 75 da nova lei, a dispensa enumera uma série de hipóteses nas quais a administração pública pode optar pela contratação na forma dispensa “sem disputa”, como nos casos de contratações cujo valor seja abaixo de determinado limite financeiro ou situações de urgência e emergência.
Hipóteses de dispensa de licitação
Existem várias possibilidades para que uma licitação seja dispensada. Entre elas, algumas merecem destaque para a compreensão da dispensa “sem disputa” ou com disputa se seguirmos a IN nº 67/2021 do Governo Federal para as dispensas de valor. Vamos listar algumas das principais situações em que a contratação direta pode ocorrer:
- Contratação de pequeno valor: A administração pode contratar por dispensa “sem disputa” quando o valor do objeto for inferior aos limites estabelecidos pela lei, para compras e serviços, o limite é de até R$50.000,00 (3) e, para obras e engenharia, R$100.000,00 (4).
- Situação de emergência ou calamidade pública: Nos casos em que a urgência da contratação é reconhecida, por exemplo, em desastres naturais ou situações que exijam ação imediata, a administração pode dispensar a licitação para garantir que os serviços necessários sejam prestados rapidamente.
- A contratação anterior deserta ou frustrada: Para contratação que mantenha todas as condições definidas em edital de licitação realizada há menos de 1 (um) ano, quando se verificar que naquela licitação: a) não surgiram licitantes interessados ou não foram apresentadas propostas válidas; b) as propostas apresentadas consignaram preços manifestamente superiores aos praticados no mercado ou incompatíveis com os fixados pelos órgãos oficiais competentes;
- Contratação com outro ente federativo ou com entidade da administrativo indireta (5): Para celebração de contrato de programa com ente federativo ou com entidade de sua Administração Pública indireta que envolva prestação de serviços públicos de forma associada nos termos autorizados em contrato de consórcio público ou em convênio de cooperação.
Vantagens da dispensa “sem disputa”.
A agilidade proporcionada para administração pública, é a principal vantagem da dispensa “sem disputa”, especialmente em situações de urgência ou quando o valor da contratação é baixo. Ao dispensar a necessidade de um processo licitatório tradicional, o ente público pode realizar a contratação diretamente, economizando tempo e recursos que seriam necessários em um procedimento de pregão, por exemplo. Ademais, a burocracia é reduzida, eliminando etapas complexas de uma licitação, como elaboração de edital, abertura de proposta e análise detalhada de documentos, bem como a fase de lances. O processo da dispensa “sem disputa” torna-se tão simples que muitas vezes é crucial, em casos onde a eficácia e rapidez para executar o contrato são fundamentais. Neste viés, Carvalho Filho relata que:
“É prevista no Estatuto a hipótese de dispensa de licitação nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando houver urgência no atendimento de situação suscetível de provocar prejuízo ou comprometer a regular continuidade dos serviços públicos ou a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens (art. 75, VIII). Nem sempre será fácil caracterizar o que é situação de emergência, visto que a noção se reveste de certo grau de subjetividade, podendo ocorrer, como já ocorreu, falta de congruência entre a valoração do administrador e a do controlador (como exemplo, auditor ou Conselheiro de Tribunal de Contas).” (Carvalho Filho, 2022, p. 270)
A economia de custos é outra grande vantagem, quando o valor a ser contratado é pequeno, não justifica a realização de um processo licitatório completo, o ente público pode evitar gastos financeiros e também poupar tempo, com a dispensa “sem disputa” ele realiza sua contratação de forma ágil e transparente.
Desafios e riscos da dispensa “sem disputa”.
Ainda que a dispensa “sem disputa” traga inúmeros benefícios tanto para a administração, quanto para os fornecedores, ela também enfrenta alguns desafios e riscos que devem ser cuidadosamente analisados.
- Risco de favorecimento ou ilegalidade: A falta de um processo competitivo pode abrir espaço para o favorecimento de determinados fornecedores, o que pode resultar em práticas ilícitas. Para mitigar esse risco, a administração deve adotar mecanismos de controle e transparência, como a justificativa adequada da escolha do fornecedor e a publicação das contratações no portal de transparência e no PNCP.
- Possível comprometimento da qualidade do serviço: Sem a competição de mercado, existe o risco de a administração contratar serviços ou produtos de qualidade inferior, uma vez que o fornecedor não foi submetido a um processo de seleção rigoroso.
- Falta de controle efetivo sobre os gastos públicos: A agilidade e a simplicidade proporcionadas pela dispensa de licitação podem levar a uma falta de fiscalização mais rigorosa sobre os gastos públicos, especialmente em contratações de baixo valor. Isso exige uma atenção maior dos órgãos de controle, como tribunais de contas e controladorias.
Como mitigar os riscos?
É possível mitigar os riscos associados a este tipo de processo, os entes públicos devem adotar medidas de boas práticas de governança, fiscalização e transparência, como:
- Justificação da escolha: A decisão pela contratação direta deve ser acompanhada de uma justificativa clara e objetiva, demonstrando que a escolha do fornecedor está em conformidade com os princípios da legalidade, eficiência e interesse público.
- Controle e fiscalização: Embora a dispensa de licitação reduza a burocracia, os órgãos responsáveis devem manter mecanismos de fiscalização eficazes para evitar desperdício de recursos e garantir a qualidade do serviço contratado.
- Transparência: A publicação das contratações no portal da transparência e no PNCP, bem como na plataforma digital onde o processo ocorre e o monitoramento contínuo das ações são essenciais para garantir a legitimidade e a boa prática administrativa.
Conclusão
A dispensa “sem disputa”, embora represente uma grande inovação e celeridade nas normas licitatórias e nos contratos administrativos, exige equilíbrio entre controle e eficiência. A rapidez e a simplificação que ela causa, têm um impacto direto na redução da burocracia, permitindo que recursos públicos sejam empregados de maneira mais eficiente, especialmente em contextos onde o tempo de resposta é um fator crítico para o sucesso da gestão pública, como nas áreas de saúde, segurança e infraestrutura.
Entretanto, existem riscos que não podem ser ignorados, para que não abram brechas para práticas ilegais ou antiéticas, como o favorecimento de fornecedores, superfaturamento de contratos ou até mesmo a contratação de serviços ou produtos de qualidade inferior. Por essa razão, a lei exige que a administração pública justifique as escolhas feitas e que mantenha um processo de controle rigoroso, para garantir que a dispensa não se torne uma oportunidade para o desperdício de recursos ou para a prática de atos administrativos prejudiciais à sociedade, cumprindo fielmente os princípios constitucionais da administração pública, como a legalidade, moralidade, eficiência e publicidade, que são essenciais para garantir que os recursos públicos sejam utilizados de forma correta e eficiente.
Por: Adriane Faccio Mendes
(1) Iremos tratar aqui da dispensa de forma literal como previsto na NLLC, mas, lembrando aos leitores que, a dispensa pode ser realizada com disputa, principalmente nos casos dos incisos I e II do art.75, da NLLC. Esta dispensa com disputa é conhecida popularmente como “preguinho”.
(2) Vide IN nº 67/2021 do Governo Federal, onde as dispendas previstas nos incisos I e II do art. 75, são sempre com disputa. https://www.gov.br/compras/pt-br/acesso-a-informacao/legislacao/instrucoes-normativas/instrucao-normativa-seges-me-no-67-de-8-de-julho-de-2021
(3) Valor este atualizado para R$ 59.906,02 – https://planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2023/Decreto/D11871.htm#art1
(4) Valor este atualizado para R$ 119.812,02 – https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2023/Decreto/D11871.htm#art1
(5) Exemplo clássico aqui é a contratação com Consórcios Públicos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Oliveira, Rafael Carvalho R. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2023. E-book.
Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Barueri: Editora Atlas, 2022. E-book.
Pietro, Maria Sylvia Zanella D. Direito Administrativo. 36. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2023. E-book.
Zaffari, Eduardo; Ferreira, Gabriel B.; Lima, Náthani S.; et al. Licitações e Contratos. Porto Alegre: Grupo A, 2022.
Brasil. Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Brasília, DF: Presidência da República, 2021. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14133.htm. Acesso em: 13 nov. 2024.
Instrução Normativa nº 67/2021 – https://www.gov.br/compras/pt-br/acesso-a-informacao/legislacao/instrucoes-normativas/instrucao-normativa-seges-me-no-67-de-8-de-julho-de-2021
Nohara, Irene Patrícia D. Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Editora Atlas, 2023.
Pietro, Maria Sylvia Zanella D. Direito administrativo. 33. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2020. E-book