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Tratamento favorecido e diferenciado para MEs e EPPs: principais pontos previstos na Lei Complementar nº 123/2006

A Constituição Federal de 1988 assegura, em seu artigo 170, inciso IX, e também em seu artigo 179, o tratamento diferenciado para as microempresas e empresas de pequeno porte. Visando cumprir esse requisito, a Lei Complementar nº 123/2006, que institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, dispõe em seu corpo diversos tratamentos diferenciados às pequenas empresas nas contratações públicas.

Sabe-se que a concorrência entre pequenas e grandes empresas não apresenta isonomia quando o assunto é a participação em processos licitatórios. Um dos argumentos que podem ser usados para comprovar essa afirmação, entre os diversos existentes, é que as pequenas empresas compram o produto de uma grande empresa para conseguir fornecê-lo no mercado, muitas vezes com um baixo percentual de lucro sobre a venda. Diante disso, podemos imaginar uma competição entre duas empresas de portes distintos em um processo licitatório, em que a pequena empresa está disputando no mesmo processo com a empresa que é sua fornecedora.

Neste caso hipotético, é nítido que a empresa de grande porte consegue chegar a condições bem melhores para o comprador do que a pequena empresa. Por esse e outros motivos, o legislador brasileiro definiu benefícios que devem ser aplicados às pequenas empresas, visando assegurar uma previsão contida na Constituição Federal de 1988.

Após a breve introdução sobre os benefícios concedidos às pequenas empresas, passa-se ao detalhamento dos principais benefícios previstos na Lei Complementar nº 123/2006, enfatizando sempre a importância de sua aplicação.

Empate ficto

 

Os artigos 44 e 45 da Lei Complementar nº 123/2006 dispõem sobre o benefício que deve ser aplicado às pequenas empresas, conhecido como empate ficto. Cita-se a título informativo os dispositivos legais:

“Art. 44. Nas licitações será assegurada, como critério de desempate, preferência de contratação para as microempresas e empresas de pequeno porte.
§ 1º Entende-se por empate aquelas situações em que as propostas apresentadas pelas microempresas e empresas de pequeno porte sejam iguais ou até 10% (dez por cento) superiores à proposta mais bem classificada.
§ 2º Na modalidade de pregão, o intervalo percentual estabelecido no § 1º deste artigo será de até 5% (cinco por cento) superior ao melhor preço.
Art. 45. Para efeito do disposto no art. 44 desta Lei Complementar, ocorrendo o empate, proceder-se-á da seguinte forma:
I – a microempresa ou empresa de pequeno porte mais bem classificada poderá apresentar proposta de preço inferior àquela considerada vencedora do certame, situação em que será adjudicado em seu favor o objeto licitado;
II – não ocorrendo a contratação da microempresa ou empresa de pequeno porte, na forma do inciso I do caput deste artigo, serão convocadas as remanescentes que porventura se enquadrem na hipótese dos §§ 1º e 2º do art. 44 desta Lei Complementar, na ordem classificatória, para o exercício do mesmo direito;
III – no caso de equivalência dos valores apresentados pelas microempresas e empresas de pequeno porte que se encontrem nos intervalos estabelecidos nos §§ 1º e 2º do art. 44 desta Lei Complementar, será realizado sorteio entre elas para que se identifique aquela que primeiro poderá apresentar melhor oferta.
§ 1º Na hipótese da não contratação nos termos previstos no caput deste artigo, o objeto licitado será adjudicado em favor da proposta originalmente vencedora do certame.
§ 2º O disposto neste artigo somente se aplicará quando a melhor oferta inicial não tiver sido apresentada por microempresa ou empresa de pequeno porte.
§ 3º No caso de pregão, a microempresa ou empresa de pequeno porte mais bem classificada será convocada para apresentar nova proposta no prazo máximo de 5 (cinco) minutos após o encerramento dos lances, sob pena de preclusão.”

Resumindo para melhor compreensão do dispositivo legal, o benefício assegura às pequenas empresas a oportunidade de cobrir o valor de uma grande empresa após a etapa de lances, desde que seu valor seja igual ou até 10% superior à melhor proposta. Essa porcentagem é diferente quando o processo de referência é na modalidade pregão, na qual é reduzida para 5%.

Um exemplo prático que pode ser citado é o caso de uma concorrência eletrônica de menor preço, em que o benefício aplicado é de 10%. Supõe-se que a etapa de lances finalizou e que o primeiro colocado é uma grande empresa, cujo lance é de R$100,00. O segundo colocado é uma microempresa, tendo como último lance registrado o valor de R$108,00. Diante dessa situação, a microempresa deverá ser convocada no prazo de 5 (cinco) minutos para que possa oferecer uma proposta melhor do que a grande empresa. Caso a pequena empresa ofereça um valor melhor, será a vencedora do item.

Como dito anteriormente, na modalidade de pregão, o percentual para cálculo do empate ficto é de 5% entre a melhor proposta e o valor da pequena empresa. Sendo assim, o funcionamento é o mesmo do caso hipotético citado, mudando apenas o cálculo a ser realizado, vejamos: considerando os mesmos valores finais, agora em um pregão, o fornecedor enquadrado como microempresa não seria convocado para cobrir o lance da empresa de grande porte, tendo em vista que o seu valor final deveria ser de até R$105,00 (5% sobre o valor da melhor proposta). Assim, como finalizou com o valor de R$108,00, ficou fora do limite legal previsto na Lei Complementar nº 123/2006.

Vale salientar também a previsão legal disposta no artigo 4º, § 1º, incisos I e II da Lei nº 14.133/2021, que dispõe sobre exceções da aplicação do empate ficto:

“Art. 4º Aplicam-se às licitações e contratos disciplinados por esta Lei as disposições constantes dos arts. 42 a 49 da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006.
§ 1º As disposições a que se refere o caput deste artigo não são aplicadas:
I – no caso de licitação para aquisição de bens ou contratação de serviços em geral, ao item cujo valor estimado for superior à receita bruta máxima admitida para fins de enquadramento como empresa de pequeno porte;
II – no caso de contratação de obras e serviços de engenharia, às licitações cujo valor estimado for superior à receita bruta máxima admitida para fins de enquadramento como empresa de pequeno porte.”

Diante do exposto, nota-se que todos os fornecedores que participam dos processos licitatórios devem conhecer bem o benefício, para traçar a melhor estratégia e não perder o processo desejado por erros básicos. Quanto ao operador do processo pelo ente público, este deve dominar a figura do empate ficto e dos demais benefícios, para que possa garantir a devida aplicação das previsões legais.

Benefício regional ou local

 

O benefício regional ou local tem sua previsão legal também na Lei Complementar nº 123/2006, em seu artigo 48, §3º:

“Art. 48. Para o cumprimento do disposto no art. 47 desta Lei Complementar, a administração pública:
§ 3º Os benefícios referidos no caput deste artigo poderão, justificadamente, estabelecer a prioridade de contratação para as microempresas e empresas de pequeno porte sediadas local ou regionalmente, até o limite de 10% (dez por cento) do melhor preço válido.”

Este benefício tem sua aplicação diferente do empate ficto. Como citado anteriormente, no empate ficto a pequena empresa que estiver dentro do percentual legal é convocada para cobrir o melhor valor da empresa de grande porte. Porém, no benefício regional ou local, a pequena empresa sediada local ou regionalmente (de acordo com o benefício aplicado no processo de referência) vence o item mesmo com o valor superior ao do primeiro colocado. Vejamos um exemplo prático para melhor compreensão:

Em uma concorrência com aplicação do benefício regional de 10%, uma grande empresa finalizou a disputa em primeiro lugar, com o valor de R$100,00. Em segundo lugar, tem-se uma empresa de pequeno porte sediada regionalmente, com o valor de R$108,50. Neste caso hipotético, a empresa de pequeno porte seria a vencedora do item, tendo em vista que o seu valor ficou dentro do percentual legal aplicado ao processo.

Nota-se assim que, mesmo tendo ofertado um lance maior que o primeiro colocado, pelo benefício aplicado, o segundo colocado será o vencedor do processo.

Torna-se de grande valia salientar que o ente público realizador do certame poderá regulamentar em seus processos licitatórios um percentual inferior a 10% para aplicação do benefício, devendo todos os participantes se atentarem ao instrumento jurídico convocatório.

Exclusividade para pequenas empresas

 

Outro benefício de grande relevância disposto na Lei Complementar nº 123/2006 é a exclusividade para pequenas empresas nos itens cujo valor total seja de até R$80.000,00 (oitenta mil reais). Esse benefício tem sua previsão legal no artigo 48, inciso I, da referida lei:

“Art. 48. Para o cumprimento do disposto no art. 47 desta Lei Complementar, a administração pública:
I – deverá realizar processo licitatório destinado exclusivamente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte nos itens de contratação cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais);”

Em resumo, nos itens em que o valor total for inferior a R$80.000,00, devem ser obrigatoriamente exclusivos para participação das pequenas empresas, com exceção à regra prevista no artigo 49, inciso II, da Lei Complementar nº 123/2006: “não houver um mínimo de 3 (três) fornecedores competitivos enquadrados como microempresas ou empresas de pequeno porte sediados local ou regionalmente e capazes de cumprir as exigências estabelecidas no instrumento convocatório;”

Com a aplicação deste benefício, o item será disputado somente por empresas que se enquadrem nos requisitos da Lei Complementar nº 123/06 como micro e pequena empresa, garantindo a isonomia no item.

Cota exclusiva para pequenas empresas

 

O último benefício a ser abordado neste artigo é a obrigatoriedade de aplicação de cotas exclusivas para pequenas empresas nos certames para aquisição de bens divisíveis, conforme previsto no artigo 48, inciso III, da Lei Complementar nº 123/2006:

“Art. 48. Para o cumprimento do disposto no art. 47 desta Lei Complementar, a administração pública:
III – deverá estabelecer, em certames para aquisição de bens de natureza divisível, cota de até 25% (vinte e cinco por cento) do objeto para a contratação de microempresas e empresas de pequeno porte.”

Com a aplicação desse benefício, o ente público realiza o processo com dois itens contendo o mesmo objeto, destinando para participação exclusiva das pequenas empresas 25% (vinte e cinco por cento) da quantidade total, e o restante, 75% (setenta e cinco por cento) para ampla concorrência.

Conclusão

 

Diante de todo o exposto neste artigo, nota-se a importância dos benefícios assegurados às pequenas empresas na Lei Complementar nº 123/2006, cumprindo o disposto na Constituição Federal de 1988 e oferecendo isonomia na participação dos processos licitatórios para as empresas pequenas.

 

Por: Marco Otávio Mendes

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