A Lei nº 14.133/2021 disciplinou no art. 23 que nas licitações é fundamental que seja definido o valor estimado da contratação. A orientação, prevista na lei, vai ao encontro da recomendação já sacramentada de se ampliar e diversificar as fontes das informações coletadas, procedimento denominado vulgarmente de “cesta de preços” mercadológicos (Acórdão n° 265/2010 do TCU).
Com isso, é de se ter em conta, que a pesquisa mercadológica deve ser abrangente, efetiva e parametrizada, sendo recomendado consultar os seguintes métodos:
Art. 23. O valor previamente estimado da contratação deverá ser compatível com os valores praticados pelo mercado, considerados os preços constantes de bancos de dados públicos e as quantidades a serem contratadas, observadas a potencial economia de escala e as peculiaridades do local de execução do objeto.§ 1º No processo licitatório para aquisição de bens e contratação de serviços em geral, conforme regulamento, o valor estimado será definido com base no melhor preço aferido por meio da utilização dos seguintes parâmetros, adotados de forma combinada ou não:I – composição de custos unitários menores ou iguais à mediana do item correspondente no painel para consulta de preços ou no banco de preços em saúde disponíveis no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP);II – contratações similares feitas pela Administração Pública, em execução ou concluídas no período de 1 (um) ano anterior à data da pesquisa de preços, inclusive mediante sistema de registro de preços, observado o índice de atualização de preços correspondente;III – utilização de dados de pesquisa publicada em mídia especializada, de tabela de referência formalmente aprovada pelo Poder Executivo federal e de sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo, desde que contenham a data e hora de acesso;IV – pesquisa direta com no mínimo 3 (três) fornecedores, mediante solicitação formal de cotação, desde que seja apresentada justificativa da escolha desses fornecedores e que não tenham sido obtidos os orçamentos com mais de 6 (seis) meses de antecedência da data de divulgação do edital;V – pesquisa na base nacional de notas fiscais eletrônicas, na forma de regulamento.
A diversificação das fontes de pesquisa tem como objetivo colher a informação mais próxima do valor praticado no mercado. O procedimento tradicional de cotar apenas com os fornecedores, não se apresenta como o mais indicado, porque é possível que não queiram antecipar sua estratégia de negócio e, desse modo, acabam informando o valor alterado para ter melhores condições de negociação no certame.
A estimativa que considere apenas cotação junto a fornecedores pode apresentar preços superestimados, uma vez que as empresas não têm interesse em revelar, nessa fase, o real valor a que estão dispostas a realizar o negócio. Os fornecedores têm conhecimento de que o valor informado será usado para a definição do preço máximo que o órgão estará disposto a pagar e os valores obtidos nessas consultas tendem a ser superestimados. (TCU, Acórdão nº 299/2011, Plenário).
A propósito a Corte de Contas tem se manifestado, reiteradamente, acerca dessa temática recomendando evitar consultas direcionadas exclusivamente a fornecedores. Vejamos:
9.3. com fundamento no art. 9º, inciso I, da Resolução-TCU 315/2020, dar ciência (…) de que as pesquisas de preços para a elaboração do orçamento estimativo de licitações que utilizem como fonte preponderante ou exclusiva cotações de fornecedores é contrária a jurisprudência deste Tribunal e a ausência de justificativa para tal prática viola o §1º, art. 5, da IN/Seges/ME 65/2021, tendo seus efeitos potencializados, especialmente, quando há indicação de marca, devendo, em qualquer caso e sempre que possível, ser utilizados preços de outras contratações, atentando para que haja equivalência entre os objetos contratado e pesquisado.
No Acórdão TCU n° 3059/2020, o relator, Ministro Raimundo Carreiro, pontuou como irregularidade a pesquisa de preços restrita à consulta a fornecedores, deixando de incluir contratações realizadas por outros órgãos.
Ademais, o Acórdão nº 3569/2023 Segunda Câmara, de relatoria do Ministro-Substituto Marcos Bemquerer, definiu como erro grosseiro (art. 28 do Decreto-lei 4.657/1942 – LINDB), para fins do exercício do poder sancionatório do TCU, a elaboração do orçamento estimado da licitação sem o dimensionamento adequado dos quantitativos e com base em pesquisa de mercado exclusivamente junto a potenciais fornecedores, sem considerar contratações similares realizadas pela Administração Pública, propiciando a ocorrência de substancial sobrepreço no orçamento do certame.
É importante salientar que a área responsável, quando vai levantar os preços mercadológicos, tem que estar segura acerca das informações do objeto que se pretende contratar. Caso tenha alguma dúvida, deve diligenciar, por meio de solicitação de informações complementares.
Como ato de precaução e previdência é recomendado que os cotistas verifiquem se foram observadas as Súmulas 177 e 247 do TCU, bem como se constam todas os elementos necessários para que a pesquisa reflita a demanda apresentada.
Caso verifique distorções na especificação do objeto ou informações apresentadas no Termo de Referência, recomenda-se sua devolução para área requisitante, já que essas impropriedades irão impactar diretamente a pesquisa mais apurada de preço mercadológico.
Não podemos deixar de destacar que a pesquisa de preços é um objetivo das contratações, conforme preceitua o art. 11, inciso III, da Lei nº 14.133/2021:Art. 11. O processo licitatório tem por objetivos:III – evitar contratações com sobrepreço ou com preços manifestamente inexequíveis e superfaturamento na execução dos contratos;
Em âmbito federal, a pesquisa de preços está disciplinada na Instrução Normativa Seges/ME nº 65, de 7 de julho de 2021, a qual dispõe sobre o procedimento administrativo para a realização de pesquisa de preços para aquisição de bens e contratação de serviços em geral, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.
Lado outro, a Instrução Normativa Seges/ME nº 91, de 16 de dezembro de 2022, estabelece as regras para a definição do valor estimado para a contratação de obras e serviços de engenharia nos processos de licitação e de contratação direta, de que dispõe o § 2º do art. 23 da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional.
Por fim cumpre registrar que a elaboração da pesquisa de preços não é atribuição do agente de contratação. Em âmbito federal, o Decreto nº 11.246/2022, que trata das atribuições do agente de contratação, enuncia, no art. 14, § 3º, essa diretriz.
A propósito, com relação ao agente de contratação, comprador público da organização, há vários acórdãos das Cortes de Contas que consideram uma afronta ao princípio de segregação de funções a atuação em etapas, atribuições e atividades que fogem à sua alçada (1). Sobre o assunto, cite-se:
92. Conclusivamente, constatou-se que o responsável não somente atuou como pregoeiro do certame, mas, em evidente descompasso com o princípio da segregação de funções, também era o dirigente do setor responsável pela elaboração do edital e da pesquisa de preços, além de haver assinado, em conjunto com a área demandante, a solicitação de contratação com indicativo do valor estimado no montante de R$ 56.281.041,71. Acórdão TCU nº 1.418/2019 – Primeira Câmara.
Daí a necessidade de reforçar que o agente de contratação não pode assumir a responsabilidade de cotista, visto que essa função viola os princípios da segregação de funções e da separação de funções e responsabilidades entre os diferentes atores do processo de contratação.
“Em juízo preliminar, há um evidente descompasso na sua atuação em face do princípio de segregação de funções, visto que o mesmo agente atuou em praticamente todas as etapas da contratação, desde a elaboração do estudo preliminar até a assinatura da ata de registro de preços”. (…) “Não é aceitável que um único agente elabore o termo de referência e, posteriormente, ele mesmo o aprove. De igual forma, não é razoável que o chefe de Fiscalização Administrativa participe tanto da etapa de requisição do material quanto da posterior etapa de liquidação de despesa”. (Acórdão TCU nº 1668/2021 – Plenário)
Em suma, a pesquisa de preços é atividade vital para o alcance dos objetivos das contratações e deve ser realizada por pessoa habilitada para essa finalidade, que tenha competência para entender a complexidade do objeto que vai ser licitado e que assegure a observância de critérios técnicos aceitáveis.
Artigo escrito por:
Tatiana Martins da Costa Camarão: Graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (1993) e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (1997), Vice-presidente do Instituto Mineiro de Direito Administrativo – IMDA, professora da pós-graduação da PUC/MG. Palestrante e instrutora de cursos de capacitação.
(1) Recomenda-se que não atue como pregoeiro ou comissão de licitação a área requisitante, cotista, financeiro, assessoria jurídica, gestor/fiscal de contratos e controladoria. Cite-se, a propósito, o Acórdão TCU nº 1668/2021 – Plenário: “Em juízo preliminar, há um evidente descompasso na sua atuação em face do princípio de segregação de funções, visto que o mesmo agente atuou em praticamente todas as etapas da contratação, desde a elaboração do estudo preliminar até a assinatura da ata de registro de preços”. (…) “Não é aceitável que um único agente elabore o termo de referência e, posteriormente, ele mesmo o aprove. De igual forma, não é razoável que o chefe de Fiscalização Administrativa participe tanto da etapa de requisição do material quanto da posterior etapa de liquidação de despesa”.