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Definição do valor referencial para aquisição de medicamentos pela Administração Pública e a necessidade de se observar os preços máximos estabelecidos pela CMED.

Das dificuldades enfrentadas, pela Administração Pública, nos processos para compra de medicamentos, muitos órgãos e entidades públicas, especialmente a nível municipal, tem experimentado frequentes deserções e fracassos em seus procedimentos licitatórios para a aquisição de medicamentos e, por outro lado, também têm adquirido esses produtos por preços superiores aos de mercado.

E o que a experiência na atuação junto a eles tem mostrado, é que o insucesso decorre, na grade maioria das vezes, da insistência dos fornecedores em praticar preços superiores, inclusive, aos estabelecidos como limite pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED).
Assim, quando se tem uma pesquisa que, efetivamente, reflete o valor de mercado, o procedimento acaba frustrado pelo desinteresse dos fornecedores em praticar aqueles preços. Em contrapartida, quando se elabora uma pesquisa deficiente, especialmente aquela baseada exclusivamente em cotações diretas junto a fornecedores, acaba-se contratando por valores que superam, inclusive, os preços-teto estabelecidos pelo órgão interministerial.

Das normas aplicáveis à comercialização de medicamentos

A Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), que foi instituída pela Lei Federal nº 10.742/03, é quem detém competência para regulação econômica do mercado de medicamentos no Brasil, sendo responsável pelo estabelecimento das diretrizes aplicáveis à composição do preço, inclusive quanto aos preços máximos de venda a órgãos públicos, de acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) (1), que exerce o papel de secretaria-executiva da Câmara:
A CMED estabelece limites para preços de medicamentos, adota regras que estimulam a concorrência no setor, monitora a comercialização e aplica penalidades quando suas regras são descumpridas. É responsável também pela fixação e monitoramento da aplicação do desconto mínimo obrigatório para compras públicas. (grifos nossos)
De acordo com a Orientação Interpretativa CMED nº 2/06 (2), o Preço de Fábrica (PF) é o preço máximo que um laboratório, ou distribuidor, pode vender um medicamento no mercado, tanto para o setor público quanto privado, enquanto que o Preço Máximo ao Consumidor  (PMC) fixa o limite para venda, por farmácias e drogarias, ao consumidor final.
Nada obstante, para o fornecimento de determinados medicamentos ao poder público, constantes de lista expedida pela CMED – rol anexo à Resolução CTE-CMED Nº 6/21 (3) -, ou em virtude de determinação judicial, os distribuidores devem aplicar o Coeficiente de Adequação de Preços (CAP) para que se estabeleça um percentual de desconto mínimo sobre o Preço de Fábrica (PF), resultando no Preço Máximo de Venda ao Governo (PMVG).
Frisa-se, entretanto, que os valores máximos não, necessariamente, traduzem o valor de mercado.

Das fontes de pesquisa a serem consultadas para obtenção do valor referencial, nos processos licitatórios para aquisição de medicamentos

O art.23 da Lei nº 14.133/21, trouxe importantes ferramentas para auxiliar a Administração na definição do valor de referência em suas contratações, estabelecendo os parâmetros a serem utilizados. Em complemento, a Instrução Normativa nº 65/2021, estabeleceu quais daqueles parâmetros devem ser priorizados. Senão, vejamos:
Art. 5º A pesquisa de preços para fins de determinação do preço estimado em processo licitatório para a aquisição de bens e contratação de serviços em geral será realizada mediante a utilização dos seguintes parâmetros, empregados de forma combinada ou não:
I – composição de custos unitários menores ou iguais à mediana do item correspondente nos sistemas oficiais de governo, como Painel de Preços ou banco de preços em saúde, observado o índice de atualização de preços correspondente;
II – contratações similares feitas pela Administração Pública, em execução ou concluídas no período de 1 (um) ano anterior à data da pesquisa de preços, inclusive mediante sistema de registro de preços, observado o índice de atualização de preços correspondente;
(…)
§ 1º Deverão ser priorizados os parâmetros estabelecidos nos incisos I e II, devendo, em caso de impossibilidade, apresentar justificativa nos autos. (grifo nosso)
Dessa forma, deve haver uma preferência por preços obtidos junto a sistemas oficiais de governo, além daqueles extraídos de contratações similares feitas pela Administração Pública.
Uma prática que tem se tornado comum, mas que vem sendo repelida pelos tribunais de contas, consiste na utilização da tabela CMED como fonte única de obtenção do valor referencial de medicamentos nas compras governamentais. Isso, porque o valor estimado deve ser obtido mediante a realização de pesquisa ampla, que resulte em cesta de preços aceitável.
O Banco de Preços em Saúde (BPS) – art.23, I, da Lei nº 14.133/21 – constitui, certamente, a principal ferramenta de pesquisa. É o que se pode depreender de decisões exaradas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), a exemplo do acórdão de nº 527/20 (4), cujo excerto segue:
De acordo com a jurisprudência mais recente deste Tribunal, considera-se válida a utilização do Banco de Preços em Saúde do Ministério da Saúde (BPS) como referência de preços para a aquisição de medicamentos e, consequentemente para fins de quantificação de superfaturamento e sobrepreço, desde que balizada por critérios adequados, que aproximem a pesquisa da contratação analisada. (grifo nosso)
Dessa forma, a pesquisa junto ao BPS, Painel de Preços e que avalie contratações similares feitas pala Administração Pública, deve ser tida como prioritária, a fim de se evitar sobrepreços e consequente superfaturamento. A adoção de outros critérios, como é o caso da pesquisa junto a pelo menos 03 (três) fornecedores, ensejará justificativa fundamentada nos autos do procedimento.

Da obrigatoriedade de observância, pela Administração Pública, dos preços-teto estabelecidos pela CMED

Para a aquisição de medicamentos a Administração Pública deverá – além de realizar uma pesquisa ampla que culmine em uma cesta de preços válida – observar os preços-teto definidos pela CMED, tendo em vista as implicações que podem advir de aquisições em valores superiores a esses.
Em relevante decisão, o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, na Tomada de Contas Especial nº 898653 (5), estabeleceu o seguinte:
3. A aquisição de medicamentos a preços acima dos valores máximos referenciais fixados pelo órgão regulador e não precedida por ampla pesquisa de preços praticados pelo mercado e dos valores constantes do Banco de Preços em Saúde – BPS pode caracterizar dano ao erário…”
Também a Controladoria Geral da União (CGU) (6), foi contundente ao sustentar que não se deve, sequer, adotar os preços da CMED como valores referenciais para as contratações, por refletirem valores máximos e não valores de mercado. Vejamos:
Quando o gestor compra um medicamento por um valor da tabela CMED decrescido de um desconto pré-determinado, ele incorre na possibilidade de estar contratando valores acima de mercado. A tabela é um teto, um máximo pelo qual os laboratórios e distribuidores podem vender seus medicamentos. Não é o preço praticado pelo mercado. A contratação realizada pelo município aqui analisada prevê um desconto linear sobre todos os medicamentos com base na tabela CMED, sem considerar o preço que de fato é praticado pelas empresas. (grifo nosso)
Importante mencionar que o Conselho Federal de Farmácia (7)  orienta, em seu sítio eletrônico oficial que, de acordo com a ANVISA, farmácias, drogarias, distribuidores e importadores, estão proibidos de comercializar medicamentos acima dos limites estabelecidos pela CMED e alerta:
Caso o consumidor perceba que o preço de um medicamento em um estabelecimento está superior ao permitido, a orientação da agência é encaminhar uma denúncia à própria CMED, “contribuindo, assim, para o monitoramento do mercado e inibindo práticas de sobrepreço pelos estabelecimentos.
Apesar das normas, a Secretaria Executiva da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (SCMED), apurou inúmeras representações com denúncias em “desfavor de ofertantes de medicamentos que tenham praticado ou proposto preços de medicamentos acima dos preços regulados pela CMED” (8), o que indica o sistemático descumprimento das normas a que estão vinculados.

Das considerações finais

A pesquisa de preços para a aquisição de medicamentos deve ser ampla, adotando-se como parâmetros prioritários o Banco de Preços em Saúde, o Painel de Preços e contratações similares realizadas no âmbito da Administração Pública.
Necessário salientar, contudo, que a amplitude da pesquisa não exime a Administração da observância aos valores-teto definidos pela CMED, que é quem detém competência para a regulação do mercado de medicamentos.
À vista disso, deve-se evitar a utilização dos preços-teto da CMED como critério único de aceitabilidade das propostas e, principalmente, pesquisas que conduzam a valores referenciais superiores àqueles estabelecidos pelo órgão interministerial, que podem levar a contratações superfaturadas, ocasionando dano ao erário e a respectiva responsabilização dos agentes envolvidos.

(1) Disponível em https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/medicamentos/cmed – Acesso em 30/09/2024
(2) Disponível em https://www.gov.br/anvisa/pt-br/acessoainformacao/perguntasfrequentes/medicamentos/cmed/precocap/arquivos/5455json-file-1 – Acesso em 30/09/24
(3) Disponível em https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/medicamentos/cmed/legislacao/RESOLUOCTECMEDN.6DE27DEMAIODE2021DOU.pdf – Acesso em 10/10/24
(4) Disponível em https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/documento/acordao-completo/*/NUMACORDAO%253A527%2520ANOACORDAO%253A2020%2520COLEGIADO%253A%2522Plen%25C3%25A1rio%2522/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/0 – Acesso em 10/10/2024.
(5) Disponível em https://tcnotas.tce.mg.gov.br/tcjuris/Nota/BuscarArquivo/2042733 – Acesso em 10/10/2024
(6) Disponível em https://eaud.cgu.gov.br/relatorios/download/1136794 – Acesso em 01/10/2024
(7) Disponível em https://site.cff.org.br/noticia/Noticias-gerais/25/04/2024/anvisa-lanca-painel-para-consulta-de-precos-de-medicamentos#:~:text=Caso%20o%20consumidor%20perceba%20que,pr%C3%A1ticas%20de%20sobrepre%C3%A7o%20pelos%20estabelecimentos.%E2%80%9D – Acesso em 01/10/2024
(8) Disponível em https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/medicamentos/cmed/informes/arquivos/noticia_cap-ajustada_v3.pdf – Acesso em 01/10/2024

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